terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O grito taciturno do homem vegetal

O silêncio na mesa
Molesta excessivamente meus ouvidos
Sinto uma dor veemente e profunda
Paro, penso, grito!

Grito um grito mudo
Mas grito tudo
Grito tudo que está preso
Na minha garganta inútil

Durmo um sono profundo
O sono de uma estátua
Que não dorme nunca
Que nunca está acordada

(Jorge)

Antigo amor

Da tua face não me lembro muito
Me recordo dos traços de felicidade
Quando seus olhos fitavam os meus
No meu rosto o seu beijo ainda está marcado
Como brasa que distingue bois
E embora nesta minha pobre pele
Tantas senhoras tenham tocado
Ainda posso reconhecer com certa facilidade
Que o cheiro ainda é o seu

(Jorge)

O passado não volta mais

Minha vida sem graça
Ainda menina, linda
Desgraça!
Minhas manifestações mentecaptas
Minhas culpas, desculpas
Uma multa por avançar o sinal
Minha vasta ignorância
Ainda que eu seja uma criança velha
Ainda que eu leia jornal
Minha doce ilusão
Esperança, afável lembraça
Vejo, desejo
Espero, me desespero
E o passado não volta mais!

(Jorge)

Únicos e perdidos

Parte I

De que nome posso chamar o sol?
Sol mesmo?
Desculpe, não conheço o ventre de onde veio
É um mamífero, ou o que será?
Como ele se reproduzirá?

Sol que ilumina grande cenário de dementes
Pouco conheço sobre ti
Sei que és único
Assim como cada rosa
Entre tantas num imenso jardim
Assim como cada homem que habita o planeta
Como cada gota de água
Que cai nos dias de chuva
Como cada nuvem no céu
Cada rabisco no mesmo papel

Sessenta anos é um bom tempo pra se apegar a este lugar
E no fim todos terminam viajando sem malas
Não querem saber se você está pronto
Talvez você já esteja pronto

Parte II

Cada um mergulhou numa triste ilusão
As ostras sofrem para dar pérolas
Assim como as feitas pela costela de Adão
E pérolas valem mais que bebês?
Não se sabe para onde o vento vai
A qualquer instante ele muda de direção
Exatamente como nós
O vento talvez tenha se perdido também
As águas estão furiosas com tanta perturbação
A espera de um comando
As promessas serão quebradas?
E quem irá escrever com um lápis sem ponta?
E quando a morte chegar?
Será mais uma decepção?
Então espere só mais um pouco
Aprenda esperar mais um pouco
Que tantos segredos irão se revelar

Hora de partir

Lembro do velho correndo
Correndo como quem corre de medo
Sabe o velho que se aproxima o tempo
Do livramento do cativeiro

Cai uma lágrima
Lágrima de desespero
Mas logo surge o sorriso
De quem viveu por inteiro

(Jorge)

Seu Pergunta

Nada é tão exato
Seu Pergunta sabe disso
Quando olha para os ponteiros
Sente dor e muito medo
De correr todo esse risco
Seu Pergunta está confuso
Seu Pergunta quer respostas
Uma boa explicação...
Pergunta a todo mundo
Pois nada sabe sobre o mundo
E todo mundo explica
Mas Seu Pergunta se complica
E explica, que tudo se complica
No ponto de interrogação

(Jorge)

Desprezível

Desprezível é a vida mal vivida
Que se consome com o tempo
No mesmo chão de todo dia
Desprezível é acreditar que a eternidade da alma
É crença, supertição, pura ilusão
É pensar que o prêmio de toda uma vida
É a estadia eterna em um belo caixão
Desprezível é o pensamento em vão
É o medo de tentar, de fracassar
De consumir-se pelo fogo das paixões
Desprezível é não ocupar-se com nada
Ou ainda pior
Ocupar-se com aquilo que não merece ocupação
Desprezível é a mentira
É o prazer de ser cruel sem escopo
A infidelidade da alma com o mundo
Ser pérfido por própria natureza
Desprezível é não conceder o perdão
A quem a vida já castigou
E mais desprezível ainda
É não ter amor no coração.

(Jorge)

Correndo atrás do vento

Quero alegria
Mas não preciso de um jardim
Uma flor, uma rosa
Isso é o bastante para mim
Um simples "oi" da mulher amada
E me perco num copo de bebida
Já não sei o motivo de tanta tristeza
Se posso ver o sol nascer
Não quero mais lutar pra sobreviver
E continuar a ver que tudo é em vão
Chega de correr atrás do vento
E esperar que o tempo
Faça de mim apenas uma vaga lembrança

(Jorge)

Passatempo

Se insisto, sigo em frente, vou a luta
Não sinto a culpa do fracasso
Me sinto na busca da fábula
Mais sensata, mais exata
Que me deixe viver em paz o tempo inteiro
O tempo inteiro, que inteiro, é passatempo
Tempo que não passa quando quero que passe
Tempo que passa quando passar não interessa mais
E não existe pressa que não possa esperar

(Jorge)

Ser o que é

Porquê tanto medo de ser assim
Assim tão quieto, tão calado
Como um tronco morto, tão vivo...
Com vergonha de não ser como o irmão mais velho
Que é tudo o que um pai sonhou
Será que não é digno ser como uma pedra ?

(Jorge)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Interminável dia de Domingo

Passeio por toda a televisão
Olho da minha janela os carros passando
A moça de preto, de luto, aos prantos
Sinto medo do que conheço
Muito mais medo do que não sinto
Um frio repentinamente me toma o peito
E meu único desejo é o de ser engolido
Ouço barulho lá fora
Barulho do vento soprando
Avisando que o interminável dia de Domingo
Aos poucos vai se acabando

(Jorge)

Liberdade

O pássaro que vi morreu
Não com um tiro de espingarda
Ou com uma badogada certeira
Morreu cercado
Cercado de água
De comida
De grades
O pássaro que vi morreu isolado
Morreu de tristeza
Morreu de prisão

(Jorge)

Sentidos

Minha bruta visão
Não precisa ser lapidada
Pra que eu enxergue este mundo
Mundo de quase nada

Meu insensível olfato
Não precisa ser melhorado
Pra que eu sinta o cheiro das rosas
De um jardim já acabado

Minha perdida audição
Não precisa ser encontrada
Pra que eu ouça os gemidos
De uma humanidade tão desgraçada

Meu pobre paladar
Não precisa ser mais apurado
Pra que eu sinta o gosto terrível
De lábios envenenados

Meu desgastado tato
Não precisa ser mais refinado
Pra que eu sinta gélidos corpos
De corações paralizados.

(Jorge)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009