segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A boca

A boca fala, mente, cala, esconde
E há mil bocas por tantos lugares
Que se juntas calarem
Esconderão um monte

E a boca cala, esconde
Fala um monte
E há tantas bocas
Por não sei aonde
Que juntas fazem
Um barulho muito grande

(Jorge Rêgo)

Alívio imediato

A homérica tensão do mundo
Me causa dor e desilusão
E pior que aguentar este fardo mudo
É sentir infindável ódio no coração

O alívio súbito no meu peito
Não é mais o sinal da sorte
É o aviso dos anjos cósmicos
De que consegui vencer a morte

O tormento que me aflingia
Esvaiu-se quando alcancei compreensão
De que a vida não é somente culpa
E que pra cada culpa existe um perdão

Tempo, tempo, tempo...

Já é outra hora
Pior que outrora
Isso eu temo

Passam as horas
Mesmas horas
Outras tantas horas
Em tantos mesmos relógios
Trazendo desalento

Passa o dia
Cai outra noite
Surge outro dia
Urge outro tempo

Vive um homem
Morre esse homem
Nasce outro homem
Surge outro tempo

Murcha uma prímula
Nasce um bem-te-vi
Por vezes
O tempo de morrer
É o mesmo de nascer

Coisas distintas são traçadas
Ao mesmo tempo

Agora
Uns estão colhendo
Outros dormindo
Tantos outros morrendo
De fome
De sede
De tempo esgotado

Agora
Uns estão lendo
Livros escritos há séculos

Agora
Eu estou escrevendo
E vou escrevendo
Para que em outro tempo
Possam me ter

(Jorge Rêgo)

Saudade

A saudade tolhe o meu sorriso
Cada espera é uma terceira guerra
Dentro do meu coração
Cada noite me parece eterna
É como uma lança que atravessa o peito
Sem matar...

A saudade corrói-me por dentro
Extirpa-me a serenidade
Traz-me incrível desalento
Rouba-me qualquer vontade!

A saudade é dança sem par, solitária!
É dor estranha que não se sabe onde dói
É um pesar agudo e inaparente
Árdua sensação que molesta a alma
De quem a sente

(Jorge Rêgo)